Fonte: Blog da Mary Allegretti / Amazônia.org
O grande problema da Amazônia – o desmatamento – em torno do qual reuniram-se cientistas, pesquisadores, ambientalistas, seringueiros, opinião pública internacional e muitos outros atores, nas últimas três décadas, está se transformando em questão corriqueira de gestão ambiental. Essa é uma oportunidade que não se pode perder de mudar a agenda e substituir ações de comando e controle por um coerente plano de desenvolvimento sustentável estratégico.
A agenda da nova década poderia iniciar pela separação entre o que é consenso e o que é polêmico para diferentes grupos de interesse: produtores rurais e urbanos, pequenos, médios e grandes, setor privado, governos, sociedade civil, parlamentares, cientistas e pesquisadores. Para os temas consensuais, seria formulado um plano de ação pragmático, racional, eficiente e operacional; para os polêmicos, um processo de construção de consenso entre as partes divergentes com prazo para terminar para que os temas passem a fazer parte da agenda. O eixo principal nos dois grupos seria a valorização da Amazônia para as atuais e futuras gerações.
O QUE É CONSENSO
1. Investir em infraestrutura social rural, florestal e urbana para melhorar a qualidade de vida das pessoas (educação, saúde, segurança, saneamento, habitação, urbanização).
2. Adotar incentivos para a valorização econômica (industrialização) das atividades baseadas no uso do capital natural.
3. Ajustar as atividades econômicas tradicionais a critérios de sustentabilidade.
4. Regularizar o sistema de propriedade.
5. Priorizar investimentos em educação, ciência, tecnologia e inovação.
6. Fortalecer e modernizar o sistema regional de gestão ambiental.
7. Ajustar os programas de distribuição de renda às características da pobreza na região.
8. Transformar as unidades de conservação em áreas de exemplares para a conservação da biodiversidade, o uso sustentável e a pesquisa.
9. Proteger as fronteiras contra o narcotráfico e as guerrilhas.
10. Coordenar as ações do governo federal para a região em articulação com estados e municípios.
O QUE É POLÊMICO
1. Processo de licenciamento de obras de infraestrutura e de atividades econômicas impactantes.
2. Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
3. Reabertura da BR 319 ligando Porto Velho a Manaus.
4. Revisão do Código Florestal.
5. Zoneamento Ecológico-Econômico.
6. Especulação fundiária.
7. Exploração madeireira ilegal.
8. Expansão da pecuária e da soja sobre a floresta nativa.
9. Exploração mineral sem benefícios sociais.
10. Unidades de conservação sobrepostas a terras indígenas.
BALANÇO
Os itens consensuais traduzem a demanda por desenvolvimento social e econômico que é premente na região e a necessidade de valorizar o que distingue a Amazônia no cenário nacional e internacional que é o seu capital natural. O dissenso está principalmente associado a uma questão complexa, a do modelo de desenvolvimento que se quer para a região.
Os últimos governos, de FHC a Lula, colocaram a infraestrutura como prioridade (estradas e hidrelétricas), associada ao agronegócio e à produção de energia, e foram atropelando as normas, as críticas e a oposição. Mas as obras de infraestrutura não fazem parte de um plano estratégico para a região. O PAS (Plano Amazônia Sustentável) tinha esse objetivo originalmente, mas perdeu a magnitude que a região requer e passou a apoiar iniciativas pontuais, ainda que importantes.
Não se pode continuar ignorando a existência de conflitos em relação ao modelo, fazendo de conta que são questões passageiras que serão resolvidas com condicionantes a licenças ambientais. Não se trata de minorar impactos mas de decidir onde se deve investir, em qual infraestrutura e como associar outros investimentos, tão urgentes quanto, em qualificação de recursos humanos e em tecnologia, por exemplo. A Amazônia também pode fornecer energia ao país mas para isso precisa ser compensada pela proteção aos recursos naturais que permitem que esse bem seja produzido.
A falta de investimentos em infraestrutura tem gerado uma situação crítica nas áreas nas quais estão sendo implantados projetos de geração de energia: nem tudo pode ficar por conta dos empreendimentos, assim como nem tudo pode ser feito pelos municípios onde os empreendimentos se instalam. Quem arca com o déficit acumulado em saúde e segurança, por exemplo, quando uma cidade se transforma em um canteiros de obras de uma usina hidrelétrica? Cada obra do PAC deveria vir acompanhada de investimentos específicos para os municípios se equiparem para enfrentar os impactos sociais gerados pela obra, em parceria com os investimentos que serão feitos pelo empreendimento.
Agenda da nova década
É preciso parar de olhar a Amazônia como se fosse o quintal do Brasil de onde se tira uma série de vantagens (energia, minérios, equilíbrio climático, água) e não se dá quase nada em troca, ficando o ônus por conta dos estados, municípios, da sociedade e da iniciativa privada.
Não precisar correr atrás do prejuízo ambiental é uma oportunidade de olhar a Amazônia com olhos de Amazônia e perguntar o que é melhor para quem vive lá, o que a Amazônia pode oferecer para o país e o que o país pode fazer por ela. Esse é o desafio da nova década.
Seria oportuno assumir que não há necessidade de fazer mais debates, simpósios, seminários sobre o futuro da Amazônia até que estes pontos consensuais virem programas de governo. É suficiente organizar a informação, as experiências, os projetos existentes, para cada grande tema e construir uma agenda de ação. Todos os temas importantes para a Amazônia vêm sendo abordados em livros, artigos, filmes, documentários, há pelo menos três décadas, e mostram as oportunidades que o Brasil está perdendo ao não compreender a região mais cobiçada do planeta. Ter uma presidente que valoriza argumentos, dados e análise lógica, pode ser um ponto a favor.
A segunda década do século 21 poderia ser diferente para a Amazônia; poderia ser uma década de menos discurso e mais ação. Já sabemos o suficiente para executar um bom plano de desenvolvimento. O que nos falta é a determinação de criar uma instância de coordenação de políticas, com capacidade executiva, para transformar em realidade tudo que já se falou sobre o presente e o futuro da região. O que também falta é uma instância de construção de consenso para aqueles pontos polêmicos que não podem esperar mais uma década para virar realidade. A grande oportunidade de mudar a Amazônia é agora, quando a queda das taxas de desmatamento permite que se invista nas potencialidades do desenvolvimento sustentável regional.
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