sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Quem sou eu ?

Pelo meu filho Vitor, como sempre bem inspirado!

Um menino inteligente,legal e conversador mais se sua mãe se irrita ele fica com medo, gosta de andar de bicicleta e defende o ambiente que vivemos e as injustiças embora nimguem seja perfeito. Uma pessoa feliz que tem um sonho de viajar pelo mundo, adora brincar no rio e acima de tudo sempre...ser um bom moleque


     Vitor Sousa Mesquita
           31/12/2010

O Estado laico e pluralista e as Igrejas

Leonardo Boff

A descriminalização do aborto e a união civil de homosexuais, temas suscitados na campanha eleitoral, ensejam uma reflexão sobre a laicidade do Estado brasileiro, expressão do amadurecimento de nossa democracia. Laico é um Estado que não é confessional, como ocorre ainda em vários países que estabelecem uma religião, a majoritária, como oficial. Laico é o Estado que não impõe nenhuma religião mas que respeita a todas, mantendo-se imparcial diante de cada uma delas. Essa imparcialidade não significa desconhecer o valor espiritual e ético de uma confissão religiosa. Mas por causa do respeito à consciência, o Estado é o garante do pluralismo religioso.
Por causa dessa imparcialidade não é permitido ao Estado laico impôr, em matéria controversa de ética, comportamentos derivados de ditames ou dogmas de uma religião, mesmo dominante. Ao entrar no campo político e ao assumir cargos no aparelho de Estado, não se pede aos cidadãos religiosos que renunciem a suas convicções religiosas. O único que se cobra deles é que não pretendam impôr a sua visão a todos os demais nem traduzir em leis gerais seus próprios pontos de vista particulares. A laicidade obriga a todos a exercer a razão comunicativa, a superar os dogmatismos em favor de uma convivência pacífica e diante dos conflitos buscar pontos de convergência comuns. Nesse sentido, a laicidade é um princípio da organização jurídica e social do Estado moderno.
Subjacente à laicidade há uma filosofia humanística, base da democracia sem fim: o respeito incondicional ao ser humano e o valor da consciência individual, independente de seus condicionamentos. Trata-se de uma crença, não em Deus como nas religiões que melhor chamaríamos de fé, mas de crença no ser humano em si mesmo, como valor. Ela se expressa pelo reconhecimento do pluralismo e pela convivência entre todos.
Não será fácil. Quem está convencido da verdade de sua posição, será tentado a divulgá-la e ganhar adeptos para ela. Mas está impedido de usar meios massivos para fazer valê-la aos outros. Isso seria proselitismo e fundamentalismo.
Laicidade não se confunde com laicismo. Este configura uma atitude que visa a erradicar da sociedade as religiões, como ocorreu com o socialismo de versão soviética ou por qualquer motivo que se aduza, para dar espaço apenas a valores seculares e racionais. Este comportamento é religioso ao avesso e desrespeita as pessoas religiosas.
Setores de Igreja ferem a laicidade quando, como ocorreu entre nós, aconselharam a seus membros a não votarem em certa candidata por apoiar a discriminalização do aborto por razões de saúde pública ou aceitar as uniões civis de homosexuais. Essa atitude é inaceitável dentro do regime laico e democrático que é o convívio legítimo das diferenças.
A ação política visa a realização do bem comum concretamente possível nos limites de uma determinada situação e de um certo estado de consciência coletivo. Pode ocorrer que, devido às muitas polêmicas, não se consiga alcançar o melhor bem comum concretamente possível. Neste caso é razoável, também para as Igrejas, acolher um bem menor ou tolerar um mal menor para evitar um mal maior.
A laicidade eleva a todos os cidadãos religiosos a um mesmo patamar de dignidade. Essa igualdade não invalida os particularismos próprios de cada religião, apenas cobra dela o reconhecimento desta mesma igualdade às outras religiões.
Mas não há apenas a laicidade jurídica. Há ainda uma laicidade cultural e política que, entre nós, é geralmente desrespeitada. A maioria das sociedades atuais laicas são hegemonizadas pela cultura do capital. Nesta prevalecem valores materiais questionáveis como o individualismo, a exaltação da propriedade privada, a laxidão dos costumes e a magnificação do erotismo. Utilizam-se os meios de comunicação de massa, a maioria deles propriedade privada de algumas famílias poderosas que impõem a sua visão das coisas.
Tal prática atenta contra o estatuto laico da sociedade. Esta deve manter distância e submeter à crítica os “novos deuses”. Estes são ídolos de uma “religião laica” montada sobre o culto do progresso ilimitado, da tecnificação de toda vida e do hedonismo, sabendo-se que este culto é política e ecologicamente falso porque implica a continuada exploração da natureza já degradada e a exclusão social de muita gente.
Mesmo assim não se invalida a laicidade como valor social.
(Envolverde/O autor)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A visagem da ponte do Rio Malacacheta*

Alta noite, uma densa neblina paira no ar, o silêncio é um barulho que só os ouvidos do medo escutam, o homem caminha com os olhos esbugalhados, não sente seus pés, naquele breu absoluto, todos os seus instintos estão aflorados, não há mais razão, só a emoção que o absorve, lhe invadindo o corpo que nem se autopercebe mais. A tensão é intolerável, sente-se desfalecer, mas continua passo a passo na direção onde tem a sensação que o mal o espreita.


A ponte está ali a poucos metros, quantas vezes nos serões noturnos na varanda de Dona Zefa ria sem parar daquele "causo" da mulher vestida de branco que esperava os andantes do caminho na travessia da ponte do rio. Nunca se imaginava passando por aquela situação.


O ramal reduzia-se a um simples caminho, limpo no meio, aumentando o mato para as margens até transformar-se numa bela capoeira. Não era possível olhar para os lados, a escuridão se superava, negra, sem nenhuma nuance de claridade. Até os batráquios, muito comuns na região pararam seu coaxar.


Ouviu sobre seus pés o ranger das primeiras tábuas da ponte, foi como o retumbar de um trovão, aquele estalo era o prenúncio da chegada, parou para olhar ao redor, nada, quis se auto-sugestionar para outras imagens, rezava vorazmente, não tinha, porém consciência disso, tudo saia de sua boca como um vômito, ouviu o segundo estalo, novamente o estrondo ensurdecedor, deu até dor o arrepio que lhe correu a espinha.


Um frio repentino lhe invadiu o corpo, não se controlou mais, disparou numa correria desesperada, um raio era pouco para comparar tal velocidade, voava na verdade, os olhos arregalaram-se ao máximo, pareciam sair das órbitas, a ponte fez um terrível barulho, tábuas quebradas, sapatos se soltando, pregos levados nos dedos, camisa se abrindo, os peitos melados de suor à mostra, um vulto na verdade, apenas uma mancha cortando a escuridão.


Quase atropela a primeira casa da vila, a tapera de Dona Zefa. Essa era a noite que ela reunia as crianças da comunidade para falar das suas experiências de vida. Estavam todos sentados quando o homem se aproximou, acocorou-se no girau de madeira, ainda respirando descompassadamente. Aquele ambiente lhe trazia harmonia íntima, o que foi lhe tranqüilizando até voltar à serenidade. Todos olhavam a velha de cabelos brancos, vestido de chita em flores, que lhes transmitia com olhar meigo um carinho inigualável sentada em uma cadeira de madeira rústica.


Iniciou seu “causo” preferido: - Certa noite há muitos e muitos anos atrás uma bela jovem  marcou encontro com seu amado na ponte do Rio Malacacheta, seu coração transbordava de amor, nunca teria mais ninguém para amar, aquele era seu amor definitivo. Seus sonhos confundiam-se com a realidade, era a expressão da felicidade.


Não estava preparada quando recebeu aquele bilhete desconcertante das mãos de um moleque, onde sem maiores explicações foi trocada por outra mulher. Ficou ali, olhando o vazio sem ver, falando sem voz, sem gestos, totalmente sem vida. Sua alma descolou-se do corpo permanecendo perdida na ponte para sempre.


Na varanda da casa os olhos de Dona Zefa molhavam-se tristemente, lembrava-se do grande amor da sua vida, nunca o esquecera, não conseguira encontrar mais ninguém para amar e tornara-se desde então aquela alma melancólica que vivia reunindo as crianças para repetir criativamente sua história de amor. Vagava sim pela ponte, nas noites escuras e assustava os transeuntes. Por amor permanecia ali horas a fio, lembrando aquele passado tão inesquecível.


O homem a olhou com ternura, totalmente absorto e envolvido pela história, não sentiu nenhuma vontade de rir, aliviou seu medo e procurou naquela velha mulher vestígios da bela Josefina de outrora, ele, um solitário, gostaria muito de ser amado assim com aquele amor quase imortal.


Ficou observando e ouvindo boa parte da noite a conversa e depois continuou sua caminhada pela Vila Malacacheta, olhou ao longe a ponte e percebeu o vulto bem delineado de uma mulher de branco, serena e tranqüila. Já não sentio medo, o sentimento agora era de solidariedade. Vivia dentro de si mesmo o drama que assombrava principalmente o próprio ser que o criou.

*Rio Malacacheta é um rio que atravessa o município de Capanema, cidade do nordeste Paraense.

Por Nilson Mesquita
Blog: cidadaniaesustentabilidade.blogspot.com