sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Vida na Praça Moura

Passo todo dia a muitos anos pela Praça Moura e sempre percebi ali a vocação para o esporte e lazer, como é na verdade uma das importantes funções de toda praça. Tanto a quadra com piso de cimento como a quadra de areia para voleibol sempre estão repletos de jogadores, na grande maioria, jovens e crianças.

Outro dia uma amiga me disse que iria também jogar vôlei na praça, voltou decepcionada, pois não conseguiu vaga dada a quantidade de pessoas na grade para entrar, ela desistiu também porque não é uma grande esportista, peladeira, fominha, etc. Nesse fato, porém percebem-se duas coisas: primeiramente, que há interesse por parte da população pelo esporte, os jovens estão aí demandando espaços públicos em busca de diversão e fugindo naturalmente da investida das drogas e outras fantasias descabidas; em segundo lugar é a falta de espaços para atender essa demanda crescente que com certeza trata-se de uma grande oportunidade de melhoria para nossa cidade.

Fiquei muito animado pela iniciativa da prefeitura em recuperar a Praça Moura, sensibilizando-se com essa vocação claramente esportiva da praça. Qualidade de vida em uma cidade passa pela liberação de áreas para brincar, onde as crianças e jovens podem se esbaldar tranquilamente como se fosse o quintal de suas próprias residências. Não são necessários grandes investimentos, o que falta é foco na alegria de viver.

A sensibilidade das autoridades para esse fato denota em minha opinião interesse pelo bem estar das pessoas. Não vivemos somente de comércio, de indústrias, de trabalho, nossa vida tem que estar associada ao prazer de viver bem, de ser feliz, de se esbaldar sem pensar, de ficar horas sentado no banco da praça falando besteira, namorando, passeando com o cachorro, em fim, perdido na vida, se encontrando e buscando sua própria paz.

Vai ter gente dizendo que o Caboco Nirso está elogiando o prefeito e isso é inadmissível, pois estou mesmo, e faço como um cidadão comum, desses que se deslumbram com as boas intenções. E quando se trata de algo feito para irradiar o ser humano, me sinto muito à vontade e feliz por essas iniciativas.

O esporte, o lazer, as crianças, os jovens, os velhinhos, a Praça Moura, esse encontro educativo e feliz talvez possa inspirar nossas autoridades a continuarem buscando no futuro todas as formas de amar de uma cidade. De que adianta a cidade enriquecer e se tornar vazia de sentimentos nobres? De que vale a luta pelo lucro se não há mais a alegria do poente por entre as árvores frondosas das praças? E os gritos das crianças que de tão agudos nos estremece de felicidade atritando com os corações? Ah! Como é bom ver o renascer da pracinha, os bancos sob as árvores, poder deitar na grama, olhar o céu azul, estar ali, sem se importar com o tempo.

O nascer e o renascer das praças em Capanema, talvez seja um bom plano para o futuro. Na verdade é o fruto dos nossos esforços por um mundo melhor, pois as praças marcam e refletem o estado de felicidade da cidade, trata-se com certeza da sua própria alma, ali estão materializados todos os sentimentos dos cidadãos.

É mais ou menos assim, onde há lindas praças há um povo feliz e valoroso.


Caboco Nirso

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

FAO lança livro sobre costumes, folclores e plantas da Amazônia

ONU Brasil

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) lançou esta semana em Roma, na Itália, o livro “Árvores Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica” (clique para ler o original em inglês: Fruit Trees and Useful Plants in Amazonian Life). A publicação marca o encerramento do Ano Internacional das Florestas.

Depois de lutas contra Código Ruralista, Belo Monte e decepções com COP 17, olhares se voltam para Rio+20

Natasha Pitts, da Adital

2011 foi um ano muito agitado na esfera ambiental. Foi um ano de lutas contra a Reforma do Código Florestal – que está mais para Código Ruralista; de batalhas intensas para interromper a construção da hidrelétrica de Belo Monte, que também pode se chamar de Belo Monstro, e foi ainda um ano de preparação e expectativas.
Boa parte destas expectativas já foi frustrada com o resultado da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou simplesmente COP 17. O desfecho desse megaevento que aconteceu em Durban, na África do Sul, de 29 de novembro até 11 de dezembro, foi frustrante para muitos ativistas, organizações de meio ambiente e cientistas.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Natal: Em busca de Jesus!

O mundo moderno tem uma grande "virtude": distorcer os sentimentos mais nobres e substituí-los por futilidades. Sinto dizer, mas o natal transformou-se para muitos em simples data comercial, onde papai Noel e troca de presentes se revezam numa angustiosa e ansiosa falta de consciência do que seja esta data.
Ando a procura de Jesus, não o acho justamente nessa época, onde situa-se a convenção cronológica de seu nascimento, não porém a realidade histórica, que perdeu-se na neblina do tempo. Mas que seja assim, simbólico, no entanto considerando-se a magnitude do seu significado.
A televisão, os outdoors nas ruas, panfletos, meios de comunicação em geral, a imprensa, em fim, praticamente toda a sociedade nem lembra que natal significa o nascimento de alguém, nesse caso a “luz do mundo”, Jesus. É notável e instigante que as principais iniciativas de decoração sejam das lojas ou associações comerciais.
Inúmeros filmes são reprisados na TV e no cinema, e quando observamos com cuidado, sempre tem a ver com compras de presentes e festa natalina, com árvore de natal, papai Noel chegando no final, deixando presentes e saindo com suas Renas rumo ao Polo Norte. Nem ao menos se vê mais o presépio, parece até conspiração, tudo onde tem Jesus fica restrito aos templos religiosos ou enfurnados nos cantinhos escondidos das casas.
Cheguei à conclusão que Jesus não é um bom vendedor, muito ao contrário de papai Noel, que parece ser o maior marqueteiro de todos os tempos, vende de tudo e em função dele as pessoas esquecem até de si mesmas, pois se Jesus nos ensina a amarmos a nós, assim como ao próximo e a Deus, esquecê-lo significa também desligar a tomada da nossa própria intimidade, aquela que também vê no outro o companheiro de lutas, seu parceiro de grandes momentos em busca do Criador.
Com tudo isso é possível ainda acreditar que a humanidade está mudando para melhor, muitas organizações governamentais e não-governamentais esmeram-se em fazer o bem cotidianamente, curando enfermos desesperados pela pobreza extrema, espalhando paz com seus discursos elevados e criando inúmeros planos para fortalecer as iniciativas pela fraternidade universal.
Podemos ter fé no futuro, pois devemos acreditar na força que impera latente ainda, no interior de cada ser humano, fruto da essência divina transmitida pelo seu próprio hálito iluminado e perfeito.
A experiência humana sairá vitoriosa, mas precisamos cuidar para que haja menos sofrimento e não sejamos enganados por equívocos das nossas próprias imperfeições.

Caboco Nirso

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

E agora?

Quando o sol se põe,
a vida fica latente como semente,
renova-se quando o embrião se abre,
em miríades de cores,
e devasta os olhos e os corações,
.......................................................
Pena que tudo pode cair abatido
frente à insensibilidade dos homens.

Muitos de nós aprendemos a amar desde cedo,
muitos, porém, são violentados pela falta de oportunidades.

E agora?

Que será feito das flores nos jardins?
e do mato escondido, virgem ainda, sem conhecer os pés dos seus futuros algozes?
A capoeira, herdeira de atrocidades crônicas, mal se equilibrando sobre seus galhos secos e retorcidos,
onde está o diferencial humano frente aos outros reinos da natureza?
e a harmonia pregada nos palanques, que não passam de hipocrisias perenes?

Ah!
A fraternidade existe, mas onde está?
O planeta grita seu dilema,
e os corações empedernidos e materializados,
perdem-se na ideia do progresso incessante,
Produzir! Produzir! Produzir!
Consumir! Consumir! Consumir!

E agora?

Unir fraternidade e vida no planeta,
é expressar o desejo, ter atitude,
a direção diferente,
o paradigma sustentável,
o pensamento coletivo,
sair do próprio umbigo,
vivenciar a solidariedade,
descobrir novos rumos para a vida,
sentir-se bem com sua consciência,
dentro de um pensamento humanista.

O ser gregário que somos,
nós humanos,
deve se estender para tudo no mundo.

Os bichos, as plantas, as pedras são nossos irmãos e nosso compromisso,
nossos filhos, nossos netos e bisnetos serão o efeito das nossas ações de hoje.
Amá-los desde já é o amor mais elevado,
o amor que já é antes de ser!

Ainda bem que existe o amor,
ainda que seja, muitas vezes, como aquela mesma semente latente,
Existe sim!
Mas, e agora?
Como semeá-la? Onde? Quando?
Já sabemos de tudo o que precisa,
só nos falta a atitude do amor de fato!

E agora?



Caboco Nirso

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

COP17 - DURBAN

A COP17 em Durban terminou como a Conferência das Partes das Nações Unidas que mais apresentou resultados concretos e como a primeira a conseguir que todos os países aceitem ter metas obrigatórias para as emissões de gases do efeito estufa. Então, Durban foi um sucesso, certo?
Bem, pode ser comemorada a adesão de todas as nações ao novo acordo, a decisão de prolongar o Protocolo de Quioto até 2017 - o que garante o funcionamento do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) - e a estruturação do Fundo Climático Verde.
Porém, o problema está nos detalhes.
O novo acordo climático apenas entrará em vigor em 2020, quando pode já ser tarde demais para evitar que o aquecimento global ultrapasse os 2ºC. Esse é o limite apontado por cientistas para que o planeta não sofra as piores consequências das mudanças climáticas.
Além disso, os negociadores não conseguiram definir o ponto mais importante do Fundo Climático: de onde virá o dinheiro.
No fim, a COP17 acabou sendo uma surpresa positiva, já que as expectativas para o encontro eram muito baixas. Mas ficou faltando mais ambição para que possamos chamar Durban de um sucesso.

Fonte: CarbonoBrasil

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Ventos brasileiros semeiam empregos verdes

Alice Marcondes, da Terramérica

A expressão “emprego verde”, criada para definir os postos de trabalho que contribuem de algum modo para preservar ou restaurar o meio ambiente, esta cada vez mais presente no vocabulário das empresas dispostas a atender a demanda social por uma economia mais limpa. O Brasil não fica alheio à tendência. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), sua economia conta com mais de 2,6 milhões de postos de trabalho formais que se ajustam a esses critérios e empregam 6,7% da força de trabalho.
O estudo “Empregos verdes no Brasil: Quantos são, onde estão e como evoluirão nos próximos anos”, publicado em dezembro de 2009 pelo escritório local da OIT, prevê que esses números se multiplicarão no médio prazo. As energias renováveis geram, por si só, quase 550 mil destes empregos e constituem um dos nichos que mais estimulam a perspectiva de crescimento. Apesar de a biomassa (cultivo da cana-de-açúcar) e as grandes centrais hidrelétricas serem as principais empregadoras, o motor do crescimento do setor renovável são as turbinas eólicas.
O que coloca a energia do vento à frente das demais é sua oferta de trabalho decente, segundo a OIT um pré-requisito para que um emprego seja realmente “verde”. “Dar aos empregados condições de trabalho justas é fundamental. O setor eólico é formado por grandes projetos que mantêm sobretudo empregos formais”, disse ao Terramérica o coordenador do programa de trabalho decente e empregos verdes da OIT no Brasil, Paulo Sérgio Muçouçah.
“O fato de o trabalhador estar registrado e ter garantidos seus direitos já permite catalogar seu trabalho como decente. Tanto a indústria canavieira como as hidrelétricas têm histórico de conflitos trabalhistas, nas plantações e na construção de represas. Isto as coloca em desvantagem em relação à energia do vento”, destacou Muçouçah. A proporção da fonte eólica na matriz energética mundial cresceu quase 32 vezes no período de 15 anos.
No entanto, no Brasil, o avanço é mais tímido: embora os ventos permitam gerar 300 gigawatts (GW), segundo o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, em maio deste ano chegava apenas a um GW (um bilhão de watts) de capacidade instalada. O Plano Decenal de Energia do governo prevê contar com 12 GW até 2020. Para a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), esta meta é muito modesta. “Na verdade, esperamos quase duplicar e chegar a 22 GW. É necessário que este crescimento continue para consolidar a indústria nacional”, explicou ao Terramérica a presidente-executiva da entidade, Élbia Melo.
No momento, o setor gera quase 13 mil postos de trabalho diretos e indiretos, divididos nas áreas de geração e distribuição do serviço, que incluem postos criados na construção dos parques eólicos. “Além da perspectiva de aumento do emprego, coincidindo com a ampliação da capacidade instalada, também há as empresas fabricantes de turbinas e demais componentes, que formam um mercado promissor”, ressaltou Muçouçah. Já há três fábricas instaladas e várias empresas completaram estudos para “inaugurar mais unidades fabris”, acrescentou o representante da OIT no Brasil.
Outro aspecto a favor do vento como gerador de emprego frente à hidrelétricas (atual matriz dominante) é que, para gerar e distribuir um terawatt (um trilhão de watts) por hora de energia eólica, são necessários entre 918 e 2.400 trabalhadores, enquanto para essa mesma quantidade as hidrelétricas necessitam de apenas 250 pessoas. “A diferença em volume de mão de obra não afeta o preço da eletricidade. O custo tão elevado da construção de centrais e turbinas hidrelétricas iguala o que o consumidor final deve pagar por ambas”, disse Muçouçah.
Dos 62 parques eólicos instalados, 43 estão no Nordeste, a região preferida para desenvolver a maioria dos novos projetos e assentar as indústrias do setor, devido à grande concentração e potência dos ventos de seu litoral atlântico. “O fato de as novas praças serem instaladas no Nordeste, uma região mais empobrecida e menos desenvolvida, faz da energia eólica um fator de desenvolvimento e converte esses empregos em mais verdes”, acrescentou o funcionário da OIT.
Na última licitação realizada pelo governo federal, a energia eólica ganhou metade da oferta, quase dois GW, oferecendo um preço médio abaixo de R$ 100 por megawatt/hora, mais barato do que a hidrelétrica. Este volume constitui um impulso fundamental para dar escala ao setor eólico. Contudo, um crescimento robusto, que engorde as estatísticas nacionais de empregos verdes, exige que o Brasil melhore seus meios de transporte e sua logística.
“É necessário melhorar esses setores para dar lugar ao grande volume de projetos contratados”, afirmou Élbia Melo. Além disso, segundo a presidente da Abeeólica, “ampliar a produção desta energia é um desafio que exige grande capacidade de governança para explorar potencialidades ainda limitadas pelo modelo energético vigente, de intensa emissão de gases causadores do efeito estufa”.
(Terramérica/Envolverde)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Consultor Jurídico da SOS Mata Atlântica dá parecer sobre o projeto substitutivo

Mercado Ético

Com o objetivo de esclarecer ainda mais os pontos controversos do texto substitutivo do Código Florestal, do relator Jorge Viana (PT-AC), o Mercado Ético procurou o especialista André Lima, consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica.
Manifestantes ocupam a praça dos Três Poderes para protestar contra o Novo Código Florestal, que tramita no Senado Federal
De acordo com ele, o projeto aprovado na Comissão do Meio Ambiente do Senado na semana passada é bom para quem não respeitou a lei vigente hoje. “Ele traz incentivos e benefícios efetivos para quem desmatou ilegalmente até julho de 2008”, aponta. “Em contrapartida, não há nada de concreto (auto-aplicável) no que diz respeito a benefícios para quem cumpriu a lei. O que existe nesse sentido depende de um programa do governo que não se sabe qual o conteúdo, os parâmetros, o volume de recursos e a quem beneficiará efetivamente. Tão pouco se sabe se de fato virá”, completa.
Para o especialista, o Projeto de Lei (PL), apesar de ser melhor do que o texto apresentado pelo deputado Aldo Rebello, fere frontalmente os três limites dados pela presidenta Dilma Rousseff em seu compromisso de vetos a eventuais retrocessos. Segundo ele, o PL vai estimular mais desmatamentos, reduzirá Áreas de Preservação Permanente e anistiará crimes ambientais.
Abaixo, Lima dá explicações mais detalhadas sobre os principais problemas do PL e aponta também alguns pontos positivos:
Problemas no PL 30/2011
1) ANISTIA E REDUÇÃO DE PROTEÇÃO (APP)
i) Foi aprovada a isenção de recomposição de Reserva Legal (RL) para imóveis de até quatro Módulos Fiscais (MF), que representam 88% dos imóveis no país, sem que esse benefício seja limitado a um único imóvel por proprietário. Apesar do texto ter incorporado um gatilho para imóveis registrados com quatro MF até julho de 2008, isso pode significar que um proprietário com quatro imóveis com menos de quatro MF fique totalmente desobrigado de recompor a RL de todos os imóveis, embora no conjunto somados ele seja um médio (entre quatro e 15 MF) ou até mesmo um grande proprietário (maior do que 15MF).
ii) A proposta mantém a data de ocupação de julho de 2008 para consolidação de atividades agropecuárias ilegais em Áreas de Preservação Permanente (APPs), contrariando frontalmente a Lei de Crimes Ambientais, que trata ocupação de APP como crime desde 1998. Portanto, são 10 anos de anistia se considerarmos isso. A CF/88, em seu artigo 225, também diz que “independentemente da obrigação de reparar o dano” o infrator será punido administrativa e penalmente pelos danos ambientais. Agrave esse fato a afirmação absolutamente infeliz do senador Jorge Viana de que a Lei de Crimes Ambientais não serviu para nada até agora. O desmatamento na Amazônia não caiu porque o governo deu incentivos à produção sustentável, mas pelo comando e controle mesmo. Inclusive o Instituto de Pesquisa Ambietal da Amazônia (IPAM) fez dezenas de entrevistas no mês de outubro em oito municípios críticos de desmatamento na região e o consenso geral é que o papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos Naturais Renováveis (IBAMA) foi fundamental para a queda de desmatamento nesses municípios nos últimos cinco anos. E a ação do órgão deu-se com lastro na Lei de crimes ambientais.
iii) Foi aprovada a emenda 196 do senador Luiz Henrique, que estabelece a anistia. Trata-se de anistia porque o desconto em mais de 50% na obrigação de reparação de dano ambiental não pode ser compreendido como mero desconto. Foge da razoabilidade.
A emenda (196) reduz em até 80% a recomposição de APPs de margem de rios com largura superior a 10 metros em todo Brasil, além da redução em mais de 50% da recomposição de APPs de rios com até 10 metros de largura. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou que isso vai impactar em mais de 50% de toda malha hídrica do país. Vale lembrar também que não tem rio grande que nasce grande. Portanto isso pode afetar os tributários dos grandes rios brasileiros e de forma difusa, sem controle e monitoramento efetivos.
A emenda (196) do Senador Luiz Henrique, apresentada pelo Jorge como a Emenda “pelo bem do Brasil”, principalmente para as bacias hidrográficas críticas (Centro-sul do país e algumas do Nordeste), pode ser muito comprometedora para abastecimento humano, industrial e agropecuário, que consome cerca de 70% de toda água disponível. Mais de 70% da população brasileira vive nessas bacias hidrográficas consideradas críticas (com menos de 20% de cobertura vegetal nativa). Veja o mapa abaixo:
2) ESTIMULO A DESMATAMENTOS
i) Um buraco grave no texto é que não estabelece um limite temporal para a aplicação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) para redução da Reserva Legal. Isso pode significar regularização de desmatamentos futuros (posteriores a julho de 2008), com redução da RL de 80% para 50% na Amazônia, estimulando novos desmatamentos.
Em Mato Grosso, por exemplo, que teve seu ZEE aprovado pela Assembléia Legislativa somente neste ano, houve um aumento súbito e expressivo de desmatamento (mais de 70%) depois de três anos consecutivos de queda nas taxas estaduais.
Veja em: http://contextopolitico.com/?p=13493 e http://migre.me/6f2Cn
ii) Viana incorporou também uma proposta que a princípio era positiva, mas que foi alterada na última hora e que pode estimular mais desmatamentos na Amazônia. A proposta diz que nos estados amazônicos que tiverem mais de 65% de Unidades de Conservação (UC) mais Terras Indígenas (TI) – o Amapá, por exemplo, se enquadra nessa hipótese – a RL será de 50% automaticamente. Porém, o texto não afirma que isso só vale para desmatamentos anteriores a 2008. Isso vai significar inevitavelmente mais desmatamentos na região, apesar de ser desdobramento do aumento de TIs homologadas e UCs criadas.
iii) Foi fechado um acordo durante a votação dos destaques para que a atividades de aquicultura (carcinicultura) serão tratadas como de interesse social. Isso vai significar não somente consolidação de ocupações ilegais em apicuns (pedaço do manguezal) ocorridas até julho de 2008, mas vai significar novos desmatamentos em manguezais e nas beiras de rios em todo Brasil para tanques de criação de peixe e de camarão.
iv) O novo conceito de topos de morro, alterando significativamente a metodologia de mensuração dessa categoria de APP, reduz em mais de 90% as áreas hoje protegidas por essas modalidades, o que acarretará não somente consolidação de ocupações ilegais, mas principalmente novos desmatamentos em todo país, principalmente no Sudeste do Brasil.
A) PONTOS POSITIVOS
i) O texto afirma que desmatamentos posteriores a julho de 2008 deverão ser obrigatoriamente embargados e integralmente recompostos com espécies nativas em no máximo cinco anos e não poderão ser beneficiados com compensação de RL ou plantio com exóticas.
ii) Incorporou a emenda da SOS Mata Atlântica (via senador Aloysio Nunes) de que nas bacias críticas (de acordo com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos) a regularização das áreas rurais consolidadas em APP (até julho de 2008) fica condicionada ao cumprimento de metas de recomposição e conservação estabelecidas pelos Comitês de bacia hidrográfica. Trata-se de um antídoto ao veneno da anistia, pelo menos nas áreas mais críticas, onde vivem 70% da população e está concentrada a produção agropecuária e industrial do país. O problema é que essa emenda será bombardeada pelos ruralistas tanto no plenário do Senado como na Câmara, onde já há promessa de derrubada.
iii) O texto afirma que em três anos o governo federal apresentará Projetos de Lei específicos por bioma para o Cerrado, Amazônia, Pantanal, Caatinga e Pampa (a Mata Atlântica já tem). É positivo por abrir o debate sobre leis específicas por biomas, mas isso não significa que o que virá de PLs ou o que será aprovado no futuro será positivo para os respectivos biomas.
(Mercado Ético)

domingo, 20 de novembro de 2011

Entrevista: André Trigueiro - Revista Espírita Reformador

Entrevista: André Trigueiro


 André Trigueiro, autor do livro Espiritismo e Ecologia (FEB), considera que a Lei de Conservação de O Livro dos Espíritos é um tratado de sustentabilidade

Reformador: Como surgiu seu interesse em relacionar Espiritismo e Ecologia?

Trigueiro: Sou espírita, jornalista interessado em sustentabilidade há pelo menos 20 anos, e tenho uma pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ. A combinação desses fatores me precipitou na direção dessa linha de investigação. O livro – já na terceira edição – não esgota o assunto, mas deixa claro a razão pela qual nós espíritas devemos ter atenção redobrada nesta encarnação para com os limites do planeta que generosamente nos acolhe.
 A situação é difícil e a Humanidade é a responsável direta pela crise ambiental sem precedentes que experimentamos no momento. A educação para a sustentabilidade encerra princípios éticos e morais que são caros à Doutrina Espírita. Devo dizer que me incomodava muito uma certa distância que várias casas espíritas mantinham do tema “meio ambiente”, como se a exaltação dos valores espirituais nos eximisse de responsabilidade para com o que acontece aqui e agora em nossa casa planetária. Mas isso está mudando.

Reformador: Que destaque daria, em obras de Kardec, com relação ao tema?

Trigueiro: Bem entendida, a posição assumida pelo Espiritismo em favor da vida – condenando o aborto, a eutanásia e o suicídio alcança também a dimensão planetária na condenação do ecocídio, ou seja, a capacidade de a Humanidade realizar escolhas que reduzem nossas possibilidades de existência nesse plano. Todo o capítulo de O Livro dos Espíritos que versa sobre a Lei de Conservação é um tratado de sustentabilidade. Quando a Doutrina estabelece a diferença entre o que é necessário e o que é supérfluo, e nos orienta em relação ao uso inteligente dos recursos naturais (“A Terra produziria sempre o necessário, se o homem soubesse contentar-se com o necessário”)1 há sinergia absoluta em relação aos modernos relatórios da ONU que condenam os atuais meios de produção e de consumo. Outro tema que me interessa muito é a influência de nossos sentimentos e pensamentos na qualidade da psicosfera terrena. Temos o poder de influenciar coletivamente a Natureza, através da qualidade e da intensidade de nossas vibrações. A Doutrina Espírita também reconhece o trabalho dos elementais, seres encarregados de proteger a Natureza e sustentar seus processos cíclicos. Outra informação valiosa remete à identificação visceral que temos com a Terra: somos feitos dos mesmos elementos que constituem o planeta, e isso vale para o corpo material ou o perispírito. “Do pó viestes para o pó voltareis” [Gênesis, 3:19] não é poesia bíblica, é Ciência. E o que acontece com a terra, o ar e a água, portanto, fora de nós, reverbera dentro de nós. Estamos todos conectados.

Reformador: Você relaciona eventuais desrespeitos ao meio ambiente às alterações climáticas?

Trigueiro: O livro de nossa autoria traz informações atualizadas sobre a maior crise ambiental da História da Humanidade e como somos responsáveis por isso. Na verdade, somos parte do problema e devemos ser parte da solução. A crise climática é a mais preocupante e demanda soluções urgentes. Mas nossas atenções devem estar voltadas também para a destruição
sistemática da biodiversidade, a produção monumental de lixo, a escassez de recursos hídricos, a transgenia irresponsável, o consumismo desvairado, o crescimento desordenado das cidades e outros problemas que fazem parte do nosso tempo e exigem respostas de nossa parte ainda nesta existência. O espírita está sendo convocado à ação aqui e agora. A maior nação espírita do planeta está situada no único país com nome de árvore, que concentra o maior estoque de água doce (superficial de rio ou subterrânea), a maior quantidade de solo fértil, o maior número de espécies conhecidas e catalogadas.Mera coincidência?

Reformador: Como os espíritas têm reagido ao seu livro e em eventos que participa?

Trigueiro: Percebo enorme receptividade e acolhimento aos assuntos do livro. Tenho recebido muitas manifestações (especialmente em mensagens endereçadas pela Internet) de espíritas que usam o livro para palestras, trabalhos em mocidades, ou para orientar mudanças estruturais nas rotinas da própria instituição. É particularmente interessante a reação das pessoas à forma como abordamos a questão do consumo de carne. Se é verdade que o consumo de carne na alimentação é condizente com o nível evolutivo em que muitos de nós nos encontramos, também é verdade que isso não deve justificar o uso de métodos cruéis, dolorosos, que impõem sofrimento desnecessário aos nossos irmãos menos evoluídos da Criação.O Brasil é o maior produtor de proteína animal do mundo e muitos espíritas se surpreendem com o circo dos horrores que se esconde por detrás dessa indústria. Como eventuais consumidores de carne, devemos zelar pelo bem-estar animal e pelo que se convencionou chamar de “abate humanitário” (o nome é esquisito mas é assim mesmo).

Reformador: Que ações recomendaria aos espíritas?

Trigueiro: Precisamos fazer agora tudo o que esteja ao nosso alcance em favor do uso responsável e ético dos recursos naturais não renováveis do planeta. Muitos espíritas se acomodam pelo fato de o mundo de regeneração estar a caminho. Supõem que não haja o que fazer em relação ao planeta, pois que o destino do orbe já está selado. Convém recordar as explicações de Santo Agostinho, em O Evangelho segundo o Espiritismo, sobre as diferentes categorias de mundos habitados. Ao explicar o que é o mundo de regeneração, Santo Agostinho confirma a condição de orbe mais evoluído ética e moralmente, entretanto, não há qualquer menção às qualidades ambientais deste mundo. Ou seja, podemos deduzir que os suprimentos de água limpa, solo fértil, ar puro, biodiversidade e as condições climáticas serão definidos a partir das escolhas que realizarmos agora, e que se persistirmos em não nos modificarmos nesta encarnação (hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo), poderemos determinar uma situação curiosa num futuro próximo: o planeta cuja vibração se eleva para hospedar uma humanidade mais evoluída ética e moralmente seria o mesmo destroçado ambientalmente. Não merecemos isso. Podemos reduzir drasticamente este risco se fizermos o dever de casa já. Sabendo usar, não vai faltar.

Reformador: A criança também poderia ser precocemente educada nesse sentido?

Trigueiro: A criança deve ser educada para lidar com os desafios do mundo em que vive. Uma escola pública ou privada que ignore o senso de urgência que deve reger um projeto pedagógico comprometido com a sustentabilidade, é uma escola que não merece ser chamada de “instituição de ensino”. O mundo mudou muito nas últimas décadas. As escolas e universidades que não estiverem minimamente antenadas com esse novo tempo, não poderão formar cidadãos capacitados para enfrentar o que vem por aí.Convém buscar informação e entender o contexto civilizatório em que estamos inexoravelmente imersos.

Reformador: Uma mensagem ao leitor de Reformador.

Trigueiro:
 Que o mundo será umdia um lugar melhor e mais justo, não há dúvida alguma. A grande questão ainda sem resposta é: haverá tempo para que esse mundo melhor e mais justo seja também um mundo ambientalmente sadio e agradável? Depende de nós. Qual a sua escolha?

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A poesia invadiu o chão da fábrica

Como conciliar o ambiente formal, às vezes rústico e introvertido de uma fábrica de cimento, com a leveza, a liberdade, o sentimento solto e leve da poesia? Pois é, isso aconteceu, virou realidade em pleno chão de fábrica da CIBRASA em Capanema/PA. Os poetas e poetizas da Academia Capanemense de Letras e Artes, levantaram-se por entre estáticos colaboradores da empresa e declamaram emocionados seus cânticos de amor. 
Tudo que é do mundo foi lembrado por aqueles trovadores encantados com sua platéia encantada. A mulher, a natureza, o ser humano com seus sofrimentos e alegrias, a viagem pela história, a lembrança da infância, a emoção. Tudo se fez paz naquele chão de concreto armado. Os pés bailavam sobre o chão duro, volitando no espaço em indescritível harmonia ao ouvir as palavras iluminadas dos poetas. Era manhã do dia 10 de novembro de 2011, o dia amanheceu belíssimo, o sol era claro com poucas nuvens circulando, mas o clima era suave, o universo conspirava a favor, parecia mesmo que algo com a mesma beleza da natureza aconteceria naquele dia. A viagem ao mundo fulgurante e estonteante da poesia estava por começar, a vida seria outra desde então naquele chão acostumado a Planos de Ação, decisões, rotinas administrativas e operacionais, trabalho de turno, fornos rodando 24 horas e cimento saindo nas bicas das ensacadeiras.
A poetiza Elza Melo, do seio daquele público feliz se expressou assim: “Hoje chorei, me emocionei, por ter recebido tão cedo como um raio de sol que irradia o dia, tantas palavras lindas e verdadeiras que ao tocarem meu coração me fizeram tão bem, tão feliz, tão eu”. 

Não existe nada que não possa estar junto, mesmo as coisas aparentemente inconciliáveis podem se harmonizar e juntos criar beleza estética e profunda. 

Viva a poesia, viva o trabalho, viva o mundo melhor!


Autor: Cabôco Nirso

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)ELIANE BRUMJornalista, escritora e
documentarista. Ganhou mais
de 40 prêmios nacionais e
internacionais de reportagem.
É autora de um romance -
Uma Duas (LeYa) - e de três
livros de reportagem: Coluna
Prestes – O Avesso da Lenda
(Artes e Ofícios), A Vida Que
Ninguém Vê
 (Arquipélago
Editorial, Prêmio Jabuti 2007)
e O Olho da Rua (Globo).
E codiretora de dois
documentários: Uma História
Severina e Gretchen Filme
Estrada.
elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum 
O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada...”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.
 - Você é evangélico? – ela perguntou.
 - Sou! – ele respondeu, animado.
 - De que igreja?
 - Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
- Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
- Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
- Legal.
- De que religião você é?
- Eu não tenho religião. Sou ateia.
- Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
- Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
- Deus me livre!
- Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
- (riso nervoso).
- Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
- Por que as boas ações não salvam.
- Não?
- Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
- Mas eu não quero ser salva.
- Deus me livre!
- Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
- Acho que você é espírita.
- Não, já disse a você. Sou ateia.
- É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
- Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
- É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto...
O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)
Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:
- Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
- Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.  A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminando na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.

Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.
Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.
É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.
Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.
Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.
Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.
Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum.
Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.
Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele. 
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras)