Lúcio Flávio Pinto*
Belém, a 10ª maior cidade do Brasil, com 1,5 milhão de habitantes, tem 40% da sua área urbana abaixo da cota 4 do nível do mar. Em dois dias, as famosas marés altas de março chegaram a 3,80 metros. Por sorte da capital paraense, nos momentos de água máxima não choveu, o que é raro para esse período. Mesmo assim, grande parte da cidade ficou debaixo d’água. Um fato que chega a ser insólito: inundação sem chuva, por efeito da maré.
A coincidência de maré alta e chuva intensa tornou-se a maior fonte de preocupação – pânico mesmo – para os belenenses. Qualquer chuva mais forte, mesmo que seja rápida, é suficiente para provocar estragos imediatos e problemas que perdurarão depois que as águas refluírem para seus cursos normais, como as doenças. Condição que se torna mais grave porque Belém é uma das cidades mais sujas do país, tomada cada vez mais pelo lixo, que se transformou numa endemia.
Por mais que surja um governo honesto, sério e competente, como não tem havido já há bastante tempo, a cultura da sujeira impregnou tanto na mentalidade dos belenenses que sua correção ou extinção demandará tempo, talvez gerações. A tolerância ao lixo, em todas as suas formas, inclusive as mais duradouras, como em sacos plásticos, que podem levar séculos para se degradar, já se tornou calamidade pública.
Esse agravante faz com que o sinal de nuvens no ar e os primeiros respingos provoquem catarse coletiva. É uma situação inteiramente oposta a uma tradição que caracterizava a vida em Belém do Pará: o acerto das agendas conforme as chuvas. Elas eram regulares e, assim como caíam, saíam, sem maiores estragos. Podia-se marcar encontros seguros para antes e depois delas.
As chuvas não eram um problema público, como hoje se tornaram. Talvez o maior problema de Belém, justamente notabilizada por estar cercada de água por todos os lados, inclusive por cima. É uma das capitais onde mais chove no mundo, com precipitações médias anuais acima de três mil milímetros.
Mas a chuva era bem-recebida. Lavava o chão, limpava o ar, refrescava a cidade de uma canícula desgastante, em virtude da combinação de forte calor com grande umidade. A passagem das chuvas intensas por Belém também era sinal de saúde ecológica, já que metade das precipitações pluviais na Amazônia é contribuição do mar (a outra metade tem origem na evapotranspiração das plantas).
De alguns anos para cá o que era folclore e charme foi se transformando em pesadelo, com inundações cada vez mais periódicas e intensas. O adensamento humano, o crescimento vertical, o aterramento das muitas drenagens na área pantanosa da cidade e algumas outras imprevidências e descasos, como a falta de manutenção nas obras do Programa de Macrodrenagem das Baixadas, tratada na edição anterior, tornaram o problema tão sério que foi preciso enfrentá-lo com maior decisão e competência.
Repassei essa situação a um público maior na coluna quinzenal que tenho no portal do Yahoo. Os brasileiros precisam saber que o problema das inundações não atinge apenas as regiões do centro-sul do país. Depois de lerem meu artigo, houve 108 mensagens de pessoas que moram em várias partes do Brasil, das quais 58 saíram de Belém. Um debate intenso e amplo, como não se vê na grande imprensa local, atada aos seus compromissos políticos e comerciais e, por isso, geralmente impossibilitada de promover esse tipo de discussão. Tão necessária quanto urgente. Ainda mais quando o governo municipal apóia integralmente uma das causas fundamentais dessa situação, que é a especulação imobiliária. Como na extinção virtual da outorga onerosa, que abre as porteiras para espigões sem a limitação de gabaritos.
Pobre Belém.
*Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
(Adital)
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