sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Cafezinho?

Publicado no guia Divirta-se, em O Estado de S. Paulo em janeiro 2011

O canto do cafezinho é o único elo entre uma empresa e as férias. No meio das paredes cinzas e do Windows ligado em cada mesa, a garrafinha térmica é a ilha que lembra o mar. É ali onde todos se reunem para contar, relembrar e fazer as férias durarem alguns minutos a mais antes que os compromissos e a vida real as levem de vez. Eu não bebo café, exceto em Janeiro.

Os grandes e os maus contadores de história também surgem ali. Do mesmo jeito que “Woody Allen” escrito na fachada do cinema faz você entrar na sessão — ou não —, o Hamilton do almoxarifado bebendo café faz você saber de cara se vale a pena ir lá. Opa, essa é boa. Ou, nem que eu esteja morrendo de sede à beira de uma desidratação vou arriscar ouvir mais uma do Hamilton. Você conhece a turma. Tem colegas que fazem três dias de chuva em Descalvado parecerem “Entrando numa fria maior ainda com a família” e outros que contam como foi passar uma semana numa praia de nudismo com os sogros como se fosse a TV Senado. Em qual das duas categorias está o Hamilton? E o Moretti, da produção?

Só indo tomar uma média com pouco açúcar para saber. O talento de contar histórias não liga para hierarquia. A contabilidade pode produzir tanto um Tom Cavalcanti quanto um Eduardo Suplicy. O estagiário pode dar um banho em toda a diretoria executiva. E tem Vice-Presidentes que viram gente quando tomam café.

Em Janeiro, para o bem ou para o mal, todo mundo é um narrador. Inclusive as pessoas que não sabem a diferença entre os detalhes irrelevantes de uma história e suas cenas memoráveis, como a cruzada de pernas da Sharon Stone. Para essas aí, cada vírgula do diálogo de troca de assento no balcão da TAM deve ser reproduzida fielmente, e cada preço de cada lembrancinha nas lojinhas do Pelourinho deve ser mencionado. Não adianta. O RH pode servir café Illy com biscoitinho e ainda assim a salinha vai ficar vazia quando elas estão por perto.

Mas turma grande ao redor da garrafa, é bom sinal. Alguma história fantástica está sendo narrada. Ou então é a Gorete, da recepção, mostrando a marquinha do biquíni. E todo mundo volta para a mesa imaginando coisas.

Publicado por André Laurentino

Quem é André Laurentino

André Laurentino (1972, Olinda, Brasil) vive em São Paulo. Durante dez anos foi um premiado diretor de arte da publicidade brasileira. Em 2003, no auge da carreira, largou a direção de arte em nome de sua paixão pela palavra. Desde então, é roteirista de TV, redator de propaganda e colunista do Guia do jornal O Estado de S. Paulo. Participou da Oficina Literária FLIP 2004, na qual trabalhou em seu primeiro romance, A paixão de Amâncio Amaro (2005). O livro, ambientado no sertão pernambucano, teve ótima recepção da crítica. Com uma linguagem carregada de lirismo, conta a história de três heróis tragicômicos em busca da própria identidade.

Vale a pena conhecê-lo!

http://www.andrelaurentino.blogspot.com/

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