quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Consultor Jurídico da SOS Mata Atlântica dá parecer sobre o projeto substitutivo

Mercado Ético

Com o objetivo de esclarecer ainda mais os pontos controversos do texto substitutivo do Código Florestal, do relator Jorge Viana (PT-AC), o Mercado Ético procurou o especialista André Lima, consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica.
Manifestantes ocupam a praça dos Três Poderes para protestar contra o Novo Código Florestal, que tramita no Senado Federal
De acordo com ele, o projeto aprovado na Comissão do Meio Ambiente do Senado na semana passada é bom para quem não respeitou a lei vigente hoje. “Ele traz incentivos e benefícios efetivos para quem desmatou ilegalmente até julho de 2008”, aponta. “Em contrapartida, não há nada de concreto (auto-aplicável) no que diz respeito a benefícios para quem cumpriu a lei. O que existe nesse sentido depende de um programa do governo que não se sabe qual o conteúdo, os parâmetros, o volume de recursos e a quem beneficiará efetivamente. Tão pouco se sabe se de fato virá”, completa.
Para o especialista, o Projeto de Lei (PL), apesar de ser melhor do que o texto apresentado pelo deputado Aldo Rebello, fere frontalmente os três limites dados pela presidenta Dilma Rousseff em seu compromisso de vetos a eventuais retrocessos. Segundo ele, o PL vai estimular mais desmatamentos, reduzirá Áreas de Preservação Permanente e anistiará crimes ambientais.
Abaixo, Lima dá explicações mais detalhadas sobre os principais problemas do PL e aponta também alguns pontos positivos:
Problemas no PL 30/2011
1) ANISTIA E REDUÇÃO DE PROTEÇÃO (APP)
i) Foi aprovada a isenção de recomposição de Reserva Legal (RL) para imóveis de até quatro Módulos Fiscais (MF), que representam 88% dos imóveis no país, sem que esse benefício seja limitado a um único imóvel por proprietário. Apesar do texto ter incorporado um gatilho para imóveis registrados com quatro MF até julho de 2008, isso pode significar que um proprietário com quatro imóveis com menos de quatro MF fique totalmente desobrigado de recompor a RL de todos os imóveis, embora no conjunto somados ele seja um médio (entre quatro e 15 MF) ou até mesmo um grande proprietário (maior do que 15MF).
ii) A proposta mantém a data de ocupação de julho de 2008 para consolidação de atividades agropecuárias ilegais em Áreas de Preservação Permanente (APPs), contrariando frontalmente a Lei de Crimes Ambientais, que trata ocupação de APP como crime desde 1998. Portanto, são 10 anos de anistia se considerarmos isso. A CF/88, em seu artigo 225, também diz que “independentemente da obrigação de reparar o dano” o infrator será punido administrativa e penalmente pelos danos ambientais. Agrave esse fato a afirmação absolutamente infeliz do senador Jorge Viana de que a Lei de Crimes Ambientais não serviu para nada até agora. O desmatamento na Amazônia não caiu porque o governo deu incentivos à produção sustentável, mas pelo comando e controle mesmo. Inclusive o Instituto de Pesquisa Ambietal da Amazônia (IPAM) fez dezenas de entrevistas no mês de outubro em oito municípios críticos de desmatamento na região e o consenso geral é que o papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos Naturais Renováveis (IBAMA) foi fundamental para a queda de desmatamento nesses municípios nos últimos cinco anos. E a ação do órgão deu-se com lastro na Lei de crimes ambientais.
iii) Foi aprovada a emenda 196 do senador Luiz Henrique, que estabelece a anistia. Trata-se de anistia porque o desconto em mais de 50% na obrigação de reparação de dano ambiental não pode ser compreendido como mero desconto. Foge da razoabilidade.
A emenda (196) reduz em até 80% a recomposição de APPs de margem de rios com largura superior a 10 metros em todo Brasil, além da redução em mais de 50% da recomposição de APPs de rios com até 10 metros de largura. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou que isso vai impactar em mais de 50% de toda malha hídrica do país. Vale lembrar também que não tem rio grande que nasce grande. Portanto isso pode afetar os tributários dos grandes rios brasileiros e de forma difusa, sem controle e monitoramento efetivos.
A emenda (196) do Senador Luiz Henrique, apresentada pelo Jorge como a Emenda “pelo bem do Brasil”, principalmente para as bacias hidrográficas críticas (Centro-sul do país e algumas do Nordeste), pode ser muito comprometedora para abastecimento humano, industrial e agropecuário, que consome cerca de 70% de toda água disponível. Mais de 70% da população brasileira vive nessas bacias hidrográficas consideradas críticas (com menos de 20% de cobertura vegetal nativa). Veja o mapa abaixo:
2) ESTIMULO A DESMATAMENTOS
i) Um buraco grave no texto é que não estabelece um limite temporal para a aplicação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) para redução da Reserva Legal. Isso pode significar regularização de desmatamentos futuros (posteriores a julho de 2008), com redução da RL de 80% para 50% na Amazônia, estimulando novos desmatamentos.
Em Mato Grosso, por exemplo, que teve seu ZEE aprovado pela Assembléia Legislativa somente neste ano, houve um aumento súbito e expressivo de desmatamento (mais de 70%) depois de três anos consecutivos de queda nas taxas estaduais.
Veja em: http://contextopolitico.com/?p=13493 e http://migre.me/6f2Cn
ii) Viana incorporou também uma proposta que a princípio era positiva, mas que foi alterada na última hora e que pode estimular mais desmatamentos na Amazônia. A proposta diz que nos estados amazônicos que tiverem mais de 65% de Unidades de Conservação (UC) mais Terras Indígenas (TI) – o Amapá, por exemplo, se enquadra nessa hipótese – a RL será de 50% automaticamente. Porém, o texto não afirma que isso só vale para desmatamentos anteriores a 2008. Isso vai significar inevitavelmente mais desmatamentos na região, apesar de ser desdobramento do aumento de TIs homologadas e UCs criadas.
iii) Foi fechado um acordo durante a votação dos destaques para que a atividades de aquicultura (carcinicultura) serão tratadas como de interesse social. Isso vai significar não somente consolidação de ocupações ilegais em apicuns (pedaço do manguezal) ocorridas até julho de 2008, mas vai significar novos desmatamentos em manguezais e nas beiras de rios em todo Brasil para tanques de criação de peixe e de camarão.
iv) O novo conceito de topos de morro, alterando significativamente a metodologia de mensuração dessa categoria de APP, reduz em mais de 90% as áreas hoje protegidas por essas modalidades, o que acarretará não somente consolidação de ocupações ilegais, mas principalmente novos desmatamentos em todo país, principalmente no Sudeste do Brasil.
A) PONTOS POSITIVOS
i) O texto afirma que desmatamentos posteriores a julho de 2008 deverão ser obrigatoriamente embargados e integralmente recompostos com espécies nativas em no máximo cinco anos e não poderão ser beneficiados com compensação de RL ou plantio com exóticas.
ii) Incorporou a emenda da SOS Mata Atlântica (via senador Aloysio Nunes) de que nas bacias críticas (de acordo com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos) a regularização das áreas rurais consolidadas em APP (até julho de 2008) fica condicionada ao cumprimento de metas de recomposição e conservação estabelecidas pelos Comitês de bacia hidrográfica. Trata-se de um antídoto ao veneno da anistia, pelo menos nas áreas mais críticas, onde vivem 70% da população e está concentrada a produção agropecuária e industrial do país. O problema é que essa emenda será bombardeada pelos ruralistas tanto no plenário do Senado como na Câmara, onde já há promessa de derrubada.
iii) O texto afirma que em três anos o governo federal apresentará Projetos de Lei específicos por bioma para o Cerrado, Amazônia, Pantanal, Caatinga e Pampa (a Mata Atlântica já tem). É positivo por abrir o debate sobre leis específicas por biomas, mas isso não significa que o que virá de PLs ou o que será aprovado no futuro será positivo para os respectivos biomas.
(Mercado Ético)

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