Posted by Décio on agosto 3, 2008
Em
dezembro de 2005, foi publicado na BMC Medicine, uma revista indexada nos
melhores bancos de dados do planeta e com um importante
fator de impacto, um trabalho
realizado pelos Departamentos de Ciências Comportamentais e Ciências Básicas em
Medicina da Universidade de Oslo, Noruega, associados ao Departamento de
Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Buskerud em Drammen, também naquele país.
O título do trabalho pode ser traduzido assim: “O curso da saúde mental após o
aborto espontâneo e o aborto induzido: um estudo longitudinal de cinco anos”.
Antes de prosseguirmos analisando
este importante estudo, é válido informar que o aborto até 12 semanas de
gestação é permitido na Noruega desde 1978, um país com cerca de 4,6 milhões de
habitantes e com o segundo maior índice de desenvolvimento humano (IDH) do planeta;
não têm analfabetos e apresenta uma expectativa de vida para as norueguesas de
82 anos, uma das maiores do mundo.
A Noruega tem uma Igreja Estatal
Protestante oficial, baseada na religião luterana evangélica. Apesar de não
existir separação entre a Igreja e o Estado, todos os habitantes têm o direito
de praticar a sua religião livremente de acordo com uma emenda à constituição
datada de 1964. Nove em cada dez cidadãos de etnia norueguesa são membros da
Igreja Estatal da Noruega, porém, apesar de a maioria dos indivíduos declararem
que a religião é importante para eles, este fato não é, geralmente, expresso
através de uma participação religiosa ativa em comunidades organizadas.
Enquanto cerca de 88% da população pertence à Igreja da Noruega, apenas 10% freqüenta
os serviços religiosos ou outras reuniões relacionadas com o Cristianismo mais
do que uma vez por mês, portanto, podemos constatar que não há pressão social
ou religiosa que condene as mulheres que praticam o aborto, realizado
livremente como mostram os dados: Registram-se cerca de 15.000 abortos
provocados contra 9.000 abortos espontâneos por ano na Noruega.
Os autores, baseados no fato já
bem estudado de que o aborto é um evento que provoca agravos à saúde mental das
mulheres, como ansiedade, depressão e síndrome pós-traumática, preocuparam-se
em estudar se havia diferença nos índices de saúde mental entre dois grupos de
mulheres: aquelas que praticaram o aborto provocado e aquelas que sofreram um
aborto espontâneo.
Foram contatadas 268 mulheres e
excluídas aquelas que não concordaram em participar do estudo, deficientes
mentais ou pacientes psiquiátricas e uma vítima de estupro, resultando em uma
amostra de 40 mulheres que experimentaram o aborto espontâneo e 80 que,
voluntariamente, o induziram.
Todas as mulheres foram avaliadas
dez dias, seis meses, dois anos e cinco anos após o aborto, segundo escalas que
mediram o impacto do evento traumático (no caso o aborto), qualidade de vida,
ansiedade, depressão e um questionário sobre seus sentimentos a respeito da
gravidez interrompida.
Resultados
Os pesquisadores puderam
comprovar que, mulheres que tiveram um aborto espontâneo, apresentaram um maior
escore de ansiedade e de impacto traumático nas avaliações realizadas com dez
dias e seis meses, acusando sentimentos de perda, pesar e negação, entretanto,
este grupo demonstrou uma importante melhora nas avaliações tardias, ou seja,
dois e cinco anos, atingindo índices de depressão, qualidade de vida e
ansiedade semelhantes aos encontrados na população geral. Trata-se, portanto,
de uma resposta saudável a um evento traumático que não deixou seqüelas.
Nas mulheres que praticaram o
aborto provocado, os escores de saúde mental medidos foram significativamente
maiores, acusando sentimentos de negação, culpa e vergonha, principalmente nas
avaliações feitas em longo prazo, ou seja, dois e cinco anos, permanecendo com
indicadores de saúde mental significativamente piores que a população geral.
Caracterizou-se uma resposta a um evento traumático mal resolvido, gerando
seqüela e provocando um distúrbio emocional duradouro.
A conclusão do trabalho é que o
aborto provocado gera importante prejuízo à saúde mental das mulheres que o
praticam, provocando depressão, ansiedade e sentimentos de culpa que deterioram
a qualidade de vida.
Quero lembrar que a amostra em
questão, ou seja, as mulheres norueguesas, não são submetidas a fatores sociais
e/ou culturais que rejeitem a prática do aborto, e mesmo assim, ficam com uma
clara e preocupante sensação de culpa que traz conseqüências para toda a vida
da paciente. Trata-se, portanto, de um problema de saúde pública.
Gerson S. Monteiro,
oportunamente, chamou-nos a atenção para a manipulação e a fraude nas
estatísticas de abortos clandestinos no Brasil, números
estes utilizados como argumento para a legalização do aborto, entretanto, a
pergunta que se faz é a seguinte: independente do número de procedimentos
clandestinos realizados, a descriminalização do aborto trará melhora à saúde da
mulher?
Não quero entrar, em nenhum
momento, na discussão do aspecto moral envolvido na questão, tento ater-me
exclusivamente aos aspectos médicos, e seguindo esta linha de pensamento,
permito-me alguns questionamentos:
Um procedimento realizado de
forma clandestina por ser proibido, deixa de ser um problema quando é
legalizado?
Lembremo-nos das drogas; muitos
defendem a descriminalização do seu consumo para combater o crime do tráfico,
seria essa uma saída? Os criminosos deixarão de ser criminosos pela ausência da
condenação social?
Na Holanda, toda uma geração foi
perdida devido à descriminalização das drogas, permitir seu uso não combate
seus efeitos. Não seria o mesmo caso com o aborto?
Será que a legalização impedirá
as meninas mais pobres e despreparadas que engravidam por ignorância, de
procurar os “curiosos” que prometem a resolução clandestina do problema, ou vão
procurar um hospital público, fazer uma ficha identificando-se e entrar para o
sistema de saúde oficial expondo-se para fazer o procedimento com segurança?
Será que os hospitais não vão exigir a presença de um maior responsável?
Se há uma preocupação legítima
com a gestação em adolescentes; se estamos tentando evitar procedimentos
médicos clandestinos; se temos a intenção de promover a saúde e o bem estar das
mulheres, o caminho mais óbvio é a educação.
Não ficaria mais barato promover
a orientação sexual nas escolas, agindo diretamente no grupo que sofre maior
risco de gravidez acidental?
Não seria uma boa idéia munir os
postos de atendimento básico de saúde com anticoncepcionais e preservativos
que, além de prevenir a gravidez, ainda farão baixar a incidência de doenças
sexualmente transmissíveis, incluindo a tão temida AIDS, ao invés de montar
equipes e de gastar material utilizando os hospitais públicos com procedimentos
que poderiam ser evitados e que vão tomar o lugar de cirurgias realmente
necessárias?
Tudo o que aprendi de saúde
pública, epidemiologia e tudo o que me diz o bom senso, é que a melhor medida é
sempre a prevenção, e que não teremos bons resultados se tentarmos resolver um problema
criando outro.
Será inteligente tentarmos
suprimir um efeito, no caso a gestação indesejada, sem atacar a causa?
Diante daquilo que já sabíamos da
prática clínica, agora comprovada pelo estudo norueguês, o aborto não é a
solução para o problema, mas a geração de outro problema, bastante grave, e que
vai afetar a vida da mulher, agravando ainda mais o terrível quadro de abandono
que já vivemos no Brasil.
O aborto é sim uma questão de
saúde pública, por isso mesmo devemos evitá-lo.
*Dr. Décio Iandoli Jr. (44 anos)
é médico cirurgião, doutorado em medicina no ano de 1999 pela Universidade
Federal Paulista – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Presidente da
Associação Médico-Espirita de Santos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário