quinta-feira, 6 de junho de 2013

O aborto como questão de saúde pública

Posted by Décio on agosto 3, 2008
Em dezembro de 2005, foi publicado na BMC Medicine, uma revista indexada nos melhores bancos de dados do planeta e com um importante fator de impacto, um trabalho realizado pelos Departamentos de Ciências Comportamentais e Ciências Básicas em Medicina da Universidade de Oslo, Noruega, associados ao Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Buskerud em Drammen, também naquele país. O título do trabalho pode ser traduzido assim: “O curso da saúde mental após o aborto espontâneo e o aborto induzido: um estudo longitudinal de cinco anos”.
Antes de prosseguirmos analisando este importante estudo, é válido informar que o aborto até 12 semanas de gestação é permitido na Noruega desde 1978, um país com cerca de 4,6 milhões de habitantes e com o segundo maior índice de desenvolvimento humano (IDH) do planeta; não têm analfabetos e apresenta uma expectativa de vida para as norueguesas de 82 anos, uma das maiores do mundo.
A Noruega tem uma Igreja Estatal Protestante oficial, baseada na religião luterana evangélica. Apesar de não existir separação entre a Igreja e o Estado, todos os habitantes têm o direito de praticar a sua religião livremente de acordo com uma emenda à constituição datada de 1964. Nove em cada dez cidadãos de etnia norueguesa são membros da Igreja Estatal da Noruega, porém, apesar de a maioria dos indivíduos declararem que a religião é importante para eles, este fato não é, geralmente, expresso através de uma participação religiosa ativa em comunidades organizadas. Enquanto cerca de 88% da população pertence à Igreja da Noruega, apenas 10% freqüenta os serviços religiosos ou outras reuniões relacionadas com o Cristianismo mais do que uma vez por mês, portanto, podemos constatar que não há pressão social ou religiosa que condene as mulheres que praticam o aborto, realizado livremente como mostram os dados: Registram-se cerca de 15.000 abortos provocados contra 9.000 abortos espontâneos por ano na Noruega.
Os autores, baseados no fato já bem estudado de que o aborto é um evento que provoca agravos à saúde mental das mulheres, como ansiedade, depressão e síndrome pós-traumática, preocuparam-se em estudar se havia diferença nos índices de saúde mental entre dois grupos de mulheres: aquelas que praticaram o aborto provocado e aquelas que sofreram um aborto espontâneo.
Foram contatadas 268 mulheres e excluídas aquelas que não concordaram em participar do estudo, deficientes mentais ou pacientes psiquiátricas e uma vítima de estupro, resultando em uma amostra de 40 mulheres que experimentaram o aborto espontâneo e 80 que, voluntariamente, o induziram.
Todas as mulheres foram avaliadas dez dias, seis meses, dois anos e cinco anos após o aborto, segundo escalas que mediram o impacto do evento traumático (no caso o aborto), qualidade de vida, ansiedade, depressão e um questionário sobre seus sentimentos a respeito da gravidez interrompida.
Resultados
Os pesquisadores puderam comprovar que, mulheres que tiveram um aborto espontâneo, apresentaram um maior escore de ansiedade e de impacto traumático nas avaliações realizadas com dez dias e seis meses, acusando sentimentos de perda, pesar e negação, entretanto, este grupo demonstrou uma importante melhora nas avaliações tardias, ou seja, dois e cinco anos, atingindo índices de depressão, qualidade de vida e ansiedade semelhantes aos encontrados na população geral. Trata-se, portanto, de uma resposta saudável a um evento traumático que não deixou seqüelas.
Nas mulheres que praticaram o aborto provocado, os escores de saúde mental medidos foram significativamente maiores, acusando sentimentos de negação, culpa e vergonha, principalmente nas avaliações feitas em longo prazo, ou seja, dois e cinco anos, permanecendo com indicadores de saúde mental significativamente piores que a população geral. Caracterizou-se uma resposta a um evento traumático mal resolvido, gerando seqüela e provocando um distúrbio emocional duradouro.
A conclusão do trabalho é que o aborto provocado gera importante prejuízo à saúde mental das mulheres que o praticam, provocando depressão, ansiedade e sentimentos de culpa que deterioram a qualidade de vida.
Quero lembrar que a amostra em questão, ou seja, as mulheres norueguesas, não são submetidas a fatores sociais e/ou culturais que rejeitem a prática do aborto, e mesmo assim, ficam com uma clara e preocupante sensação de culpa que traz conseqüências para toda a vida da paciente. Trata-se, portanto, de um problema de saúde pública.
Gerson S. Monteiro, oportunamente, chamou-nos a atenção para a manipulação e a fraude nas estatísticas de abortos clandestinos no Brasil, números estes utilizados como argumento para a legalização do aborto, entretanto, a pergunta que se faz é a seguinte: independente do número de procedimentos clandestinos realizados, a descriminalização do aborto trará melhora à saúde da mulher?
Não quero entrar, em nenhum momento, na discussão do aspecto moral envolvido na questão, tento ater-me exclusivamente aos aspectos médicos, e seguindo esta linha de pensamento, permito-me alguns questionamentos:
Um procedimento realizado de forma clandestina por ser proibido, deixa de ser um problema quando é legalizado?
Lembremo-nos das drogas; muitos defendem a descriminalização do seu consumo para combater o crime do tráfico, seria essa uma saída? Os criminosos deixarão de ser criminosos pela ausência da condenação social?
Na Holanda, toda uma geração foi perdida devido à descriminalização das drogas, permitir seu uso não combate seus efeitos. Não seria o mesmo caso com o aborto?
Será que a legalização impedirá as meninas mais pobres e despreparadas que engravidam por ignorância, de procurar os “curiosos” que prometem a resolução clandestina do problema, ou vão procurar um hospital público, fazer uma ficha identificando-se e entrar para o sistema de saúde oficial expondo-se para fazer o procedimento com segurança? Será que os hospitais não vão exigir a presença de um maior responsável?
Se há uma preocupação legítima com a gestação em adolescentes; se estamos tentando evitar procedimentos médicos clandestinos; se temos a intenção de promover a saúde e o bem estar das mulheres, o caminho mais óbvio é a educação.
Não ficaria mais barato promover a orientação sexual nas escolas, agindo diretamente no grupo que sofre maior risco de gravidez acidental?
Não seria uma boa idéia munir os postos de atendimento básico de saúde com anticoncepcionais e preservativos que, além de prevenir a gravidez, ainda farão baixar a incidência de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a tão temida AIDS, ao invés de montar equipes e de gastar material utilizando os hospitais públicos com procedimentos que poderiam ser evitados e que vão tomar o lugar de cirurgias realmente necessárias?
Tudo o que aprendi de saúde pública, epidemiologia e tudo o que me diz o bom senso, é que a melhor medida é sempre a prevenção, e que não teremos bons resultados se tentarmos resolver um problema criando outro.
Será inteligente tentarmos suprimir um efeito, no caso a gestação indesejada, sem atacar a causa?
Diante daquilo que já sabíamos da prática clínica, agora comprovada pelo estudo norueguês, o aborto não é a solução para o problema, mas a geração de outro problema, bastante grave, e que vai afetar a vida da mulher, agravando ainda mais o terrível quadro de abandono que já vivemos no Brasil.
O aborto é sim uma questão de saúde pública, por isso mesmo devemos evitá-lo.

*Dr. Décio Iandoli Jr. (44 anos) é médico cirurgião, doutorado em medicina no ano de 1999 pela Universidade Federal Paulista – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Presidente da Associação Médico-Espirita de Santos.

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