quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Tudo o que é bom se faz lentamente


Em uma cultura global, dominada pela impaciência da juventude e alimentada por cadeias de fornecimentos rápidos, tudo precisa ser feito de imediato. Mas, justo quando parece que a perversa velocidade contagiou todo o planeta, brotam movimentos para pisar no freio e saborear lentamente os prazeres simples da vida, precisamente naquelas culturas mais vinculadas à aceleração, enquanto antigas civilizações orientais como as da China e Índia, amplamente presas na pobreza e no atraso tecnológico, se colocam em marcha e varrem séculos de lenta vida aldeã com um frenético desenvolvimento industrial.
Mas as sociedades ocidentais, há muito tempo viciadas na velocidade, estão presas em uma vida alterada pela recessão, que está forçando muitos a permanecerem em suas casas. O que uma vez foi uma ansiosamente aguardada aventura, a viagem aérea, se transformou em uma experiência cara. Cozinhar em casa, cuidar do jardim, e a quase esquecida arte da conversação são coisas que estão voltando a ser populares. O desemprego e o subemprego estão invertendo as prioridades da maioria dos norte-americanos das classes média e trabalhadora.
Algumas dessas mudanças foram forçadas pelas inconsistentes condições de vida. Mas também há movimentos conscientes da necessidade de mudança. Os que defendem a lentidão apontam como antecedente o movimento slow food (literalmente comida lenta), fundado na Itália por Carlo Petrini nos anos 80, durante a campanha para evitar que o MacDonald’s se estabelecesse nas proximidades das escadarias da romaníssima Piazza Spagna. Os defensores desse movimento são a favor de uma agricultura sustentável e mais localizada, uma criação de animais mais compassiva e maior desfrute do sabor.
Desde então, não só proliferou o slow food como também a viagem lenta, a arte lenta, o desenho lento e, inclusive, o sexo lento. Como disse alguma vez a atriz do cinema mudo Mae West, “todas as coisas que valem a pena devem ser feitas lentamente”. Carl Honoré, cujo livro “Elogio à lentidão” foi o primeiro que reuniu os díspares fios deste movimento em vias de expansão, ressalta que elogiar a lentidão não significa rejeitar a tecnologia avançada nem uma resistência lúdica a todas as coisas novas e rápidas. Trata-se, sim, de encontrar um equilíbrio entre rápido e lento, entre movimento e quietude. Deste modo, por exemplo, podemos usar as inegáveis vantagens das comunicações instantâneas para reduzir a necessidade de nos movermos de lugar em lugar.
O movimento “Recupere seu tempo”, com base em Seattle, propõe retomarmos o controle de nossa vida, alienada pelo ritmo acelerado da sociedade atual, e diz que isso servirá para reduzir nosso próprio impacto sobre o meio ambiente, para melhorar a saúde pessoal e pública e economizar dinheiro. O coordenador desse movimento, John de Graaf, demonstra que, apesar dos entrechoques causados pelas crises econômicas, durante elas ocorrem melhorias tanto na saúde pessoal como na pública. Por exemplo, para 1% de aumento do desemprego corresponde meio ponto percentual de redução da taxa de mortalidade. E o maior crescimento da média de expectativa de vida dos norte-americanos – seis anos – aconteceu durante a Grande Depressão dos anos 30.
Além disso, durante a atual recessão nos Estados Unidos, houve um bom aumento de participantes em trabalhos voluntários, 40% de crescimento na jardinagem doméstica e 30% de redução no número de vítimas fatais em acidentes de trânsito (menos dez mil mortos por ano), com 10% de desemprego e subemprego de 7%, a semana de trabalho média é de 33 horas, o menor nível desde 1964. Com menos veículos em movimento há menos contaminação ambiental e menos casos de asma.
Até há pouco tempo o movimento slow era em grande parte integrado pelos que têm tempo e meios para desfrutar do lazer. Mas a Grande Recessão pode levar muitos norte-americanos mais, e outros que compartilham sua cultura, a explorar modos de ser e fazer mais lentos e menos consumistas. Para os ocidentais viciados na velocidade, são potencialmente enormes os benefícios em matéria energética, ambiental e sanitária que um ritmo pausado pode lhes proporcionar. Mas, tais efeitos no Ocidente têm como contrapartida a súbita aceleração das economias e culturas no Oriente.
A Europa ocidental está há décadas adiantada com relação à América do Norte em sua mudança para a lentidão. Tendo sofrido séculos de guerras, revoluções e industrialização, os europeus lançaram um coletivo suspiro de tristeza e ao mesmo tempo de alívio depois das perdas da Segunda Guerra Mundial, e adotaram um estilo de vida mais repousado. Diante do declínio de seu caráter de superpotência, os Estados Unidos estão por experimentar uma definitiva redução de seu papel no mundo. Para alguns a amargura, o ressentimento e uma rejeição para enfrentar os fatos provocou o estímulo de uma desafiante mentalidade de “pisar fundo no acelerador”. Mas, para muitos outros, a desaceleração é uma oportunidade para baixar o ritmo e saborear coisas que se perderam durante gerações de febril atividade. IPS/Envolverde
(*) Mark Sommer é jornalista e colunista norte-americano, dirige o programa de rádio internacional A World of Possibilities (www.aworldofpossibilities.com).
(IPS/Envolverde)

Nenhum comentário:

Postar um comentário